24 novembro 2006
MAR SEM FIM, sera?
Esta noite fiquei pensando sobre o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, em seu sucesso na manutenção da biodiversidade com inclusão dos caiçaras que aqui vivem, e nos outros que temos visto onde os nativos são ignorados, praticamente expulsos ou, então, impedidos de continuarem suas práticas centenárias. Me lembrei da conversa que tivemos com o professor da USP, o antropólogo Antonio Carlos Diegues, autor de vários livros e estudos sobre os caiçaras. Para Diegues o Parque da Ilha do Cardoso é um exemplo em termos de administração. “Um dos melhores do Brasil”, foi o que disse.
Quando perguntei o que achava do modelo que exige a exclusão das populações tradicionais ele repetiu, mais ou menos, o que o atual chefe do Parque havia dito, ou seja, foi um mal necessário. Para o professor se não houvesse o Parque da Juréia “não haveria mais os caiçaras que ainda moram por lá”.
Ante meu inconformismo com relação ao modelo, Diegues me deu um artigo que havia mandado traduzir. Seu autor é o norte-americano Mark Dowie. Ele foi publicado na Orion Magazine, em janeiro de 2006. Título: “Refugiados da Conservação”. Dowie é professor no curso de pós- graduação da Universidade Berkeley de Jornalismo.
Li e reli diversas vezes. E comecei a entender de onde veio o modismo.
Entre outras afirmações, Dowie explica que milhões de povos nativos foram expulsos de suas terras para dar lugar a grandes companhias de petróleo, mineração, madeireiras e à monocultura. Mas “hoje a lista de instituições destruídoras de culturas, denunciadas por líderes tribais em quase todos os continentes, inclui nomes mais surpreendentes como a Conservation International (CI), a Nature Conservancy (TNC), o Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF), e a Wildlife Conservation Society (WCS)”. O autor conta que, em 2004, uma reunião das Nações Unidas foi realizada em Nova Iorque para “aprovar uma resolução protegendo os direitos humanos e territoriais dos povos nativos”.
Mais tarde, naquele mesmo ano, em Vancouver, no Canadá, em uma reunião do Fórum Internacional de Mapeamentos Indígenas, todos os duzentos delegados assinaram uma declaração indicando que “as atividades das organizações de conservação representam agora a maior ameaça à integridade das terras indígenas”.
Em seu trabalho ele diz que “curioso com este tipo de conservação que põe o direito da natureza antes dos direitos dos povos eu me organizei para confrontar o assunto face a face”. Em seguida viajou pela África, Ásia e América do Sul para ver in loco a situação das várias reservas.
Eis o que descobriu: “O apoio financeiro para a conservação tem se expandido nos últimos tempos e, hoje, inclui fundações muito fortes como a Ford Foundation, MacArthur, Gordon e Betty Moore, o Banco Mundial, a USAID, um conjunto de bancos bilaterais e multilaterais, assim como grandes corporações transnacionais”.
“Durante os anos 90, a USAID, sozinha, disponibilizou US 300 milhões para o movimento internacional de conservação e, as cinco maiores ONGs, a CI, TNC, e WWF, absorveram 70% destes gastos, enquanto as comunidades nativas não receberam nada”.
E mais : “A fundação Moore reservou US 280 milhões em dez anos, a maior doação ambiental da história, a apenas uma ONG, a Conservation International, e todas as BINGO ( Big International ONGs) tornaram-se cada vez mais corporativas em anos recentes, tanto na orientação como na filiação”.
Segundo o autor “com este tipo de apoio financeiro e político as Ongs deram um grande impulso para aumentar o número das chamadas áreas protegidas mundo afora”.
“Em 1962 havia cerca de mil áreas protegidas mas hoje elas são cerca de 108.000”.
E prossegue: “Atualmente 11.75 milhões de milhas quadradas são protegidas, uma área maior que a superfície total da África”. A descoberta sensacional é que, apesar disto, ou, por causa disto, e do modelo de que desconfio, “as estimativas feitas pela ONU e alguns antropólogos variam de 5 até 10 milhões de refugiados da conservação”. É mole? Vale dizer que, para esta gente, animais vivos e protegidos valem mais que pessoas!
Fiquei atônito com estes números. Ainda custo a crer e digerir.
Em seguida Dowie mostra o pensamento de alguns “titãs” do conservadorismo mundial.
O presidente da WWF, Steven Sanderson declarou o seguinte: “Toda a conservação foi sequestrada pelos que advogam a causa dos povos nativos, colocando a vida selvagem e a biodiversidade em perigo”. Em seguida declarou que “os povos nativos e seus defensores podem falar pela sua visão da floresta mas não falam pelas florestas que nós queremos conservar”. O cara é um pouco arrogante ou estou enganado?
Dan Campbell, diretor da TNC em Belize, afirmou o seguinte: “nós temos uma organização que tenta, às vezes, empregar modelos que não cabem na cultura das nações onde trabalhamos”.
E há outras tão bombásticas ou mais, que as anteriores. Uma delas saiu da boca de outro destes titãs, John Terborgh, da Universidade de Duque, que disse: “Meu sentimento é que um parque deve ser um parque, e não deve ter nenhum povo residente nele”. O trabalho finaliza as declarações com uma, do paleontólogo Richard Leakey, proferida em 2003, na África do Sul, durante um congresso ambientalista. Felizmente a declaração “precipitou uma torrente de protestos” porque seu autor, que é africano, negou a existência de povos nativos no Quênia e finalizou dizendo que “ os interesses globais pela diversidade devem, algumas vezes, estar acima das comunidades locais”.
Mark Dowie, em seu artigo, insinua que por trás deste tipo de pensamento estão os interesses das grandes corporações, justamente as que financiam os ambientalistas.
Transcrevo na íntegra: “Muito problemático é o fato que grande organizações conservacionistas internacionais persistem em trabalhar confortavelmente com algumas das corporações mais agressivas e utilizadoras dos recursos globais, como a Boise Cascade, Chevron- Texaco, Mitsubichi, Conoco- Philips, Internacional Paper, a mineração de Rio Tinto, a Shell, e o Weyerhauser, todas sócias da entidade criada pela CI, chamada de Environmental Leadership in Business. De fato se as BINGOs (as grandes Ongs internacionais) fossem renunciar a seus sócios corporativos perderiam milhões de dólares em renda e acesso ao poder global sem os quais elas sinceramente acreditam que não poderiam ser eficientes”.
Dowie finaliza, no entanto, com um parágrafo alentador. Vamos a ele:
“Mais e mais conservacionistas parecem querer saber como, após ter reservado uma área protegida do tamanho da África, a biodiversidade global continua a declinar. Pode haver algo terrivelmente errado com este plano- particularmente depois que a Convenção da Diversidade Biológica documentou o fato surpreendente que, na África, onde tantos parques e reservas foram criados e onde a expulsão dos povos nativos é a maior, 90% da biodiversidade encontra-se fora das áreas protegidas. Se quisermos proteger a biodiversidade em todos os lugares do mundo, frequentemente ocupados por nativos e de forma ainda ecologicamente sustentáveis, a história nos mostra que a coisa menos inteligente a fazer é expulsá-los de suas terras”.
Oxalá este viés seja, de fato, vencedor entre todos os que se preocupam com o meio ambiente.
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