28 dezembro 2009

Como eu sei que a China destruiu o acordo de Copenhaguem? Eu estava na sala


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2854Uma mulher escuta o discurso de Barack Obama na conferência de mudanças climáticas Copenhaguem em 18 de Dezembro. Photograph: Axel Schmidt/AFP/Getty Images
Enquanto no pós-Copenhaguem as recriminações espirram para todo lado, um escritor oferece um relato de mosca-na-parede de como as negociações falharam

Mark Lynas

Copenhaguem foi um desastre. Nisso todos estão de acordo. Mas a verdade sobre o que realmente aconteceu está sob o risco de ser perdida no meio da confusão e das inevitáveis recriminações mútuas. A verdade é esta: a China destruiu as conversações, humilhando intencionalmente Barack Obama, e insistiu numa "barganha" horrorosa, de modo que os líderes ocidentais partissem carregando a culpa. Como eu sei disso? Porque eu estava na sala e vi o que aconteceu.

A estratégia da China era simples: bloquear as negociações por duas semanas e, em seguida, garantir que o negócio a portas fechadas fizesse parecer como se o Ocidente tivesse falhado aos pobres do mundo mais uma vez. E com certeza, as agências de desenvolvimento, os movimentos da sociedade civil e os grupos ambientalistas todos morderam a isca. O fracasso foi "o resultado inevitável de países ricos recusarem-se a honrar de forma adequada e justa sua imensa responsabilidade", disse a Christian Aid. "Os países ricos têm intimidado os países em desenvolvimento", irritou-se os Amigos da Terra Internacional.

Tudo muito previsível, mas o contrário da verdade. Mesmo George Monbiot, escrevendo no Guardian de ontem, cometeu o erro de culpar Obama individualmente. Mas eu vi Obama lutar desesperadamente para salvar um acordo, e o delegado chinês dizendo "não", de novo e de novo. Monbiot chegou mesmo a citar com aprovação o delegado sudanês Lumumba Di-Aping, que denunciou o acordo de Copenhague como "um pacto de suicídio, um pacto de incineração, a fim de manter o domínio economico de alguns países".

O Sudão se comportou nas negociações como um fantoche da China, um de uma série de países que aliviou a delegação chinesa de ter de lutar suas batalhas em sessões abertas. Foi uma costura perfeita. A China esquartejou o acordo nos bastidores, e então deixou seus representantes para esvicera-lo em público.

Agora conto o que realmente aconteceu tarde da noite na ultima sexta-feira, quando chefes de estado de duas dezenas de países se reuniram a portas fechadas. Obama estava na mesa por várias horas, sentado entre Gordon Brown e o primeiro-ministro etíope, Meles Zenawi. O primeiro-ministro dinamarquês presidiu, e à sua direita sentava Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU. Apenas 50 ou 60 pessoas estavam na sala provavelmente, incluindo os chefes de Estado. Eu estava ligado a uma das delegações, cujo chefe de Estado também esteve presente na maior parte do tempo.

O que vi foi profundamente chocante. O premier chinês, Wen Jinbao, não se dignou a participar nas reuniões pessoalmente, ao invés enviou um oficial de segundo escalao do seu Ministério das Relações Exteriores para se sentar na frente do proprio Obama. O desprezo diplomático era óbvio e brutal, como era sua implicação prática: várias vezes durante a sessão, os mais poderosos chefes de estado do mundo foram obrigados a esperar enquanto o delegado chinês saia para fazer chamadas de telefone aos seus "superiores".

Transferindo a culpa

Para aqueles que culpam Obama e os países ricos em geral, saibam disto: foi o representante da China que insistiu que as metas dos países industrializados, previamente acordada, uma redução de 80% até 2050, fosse removida do acordo. "Por que não podemos sequer mencionar os nossos próprios objetivos?" exigiu uma furiosa Angela Merkel. O Primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, estava irritado o suficiente para bater no seu microfone. O representante do Brasil também apontou a incoerência da posição da China. Por que países ricos não deveriam ainda anunciar este corte unilateral? O delegado chinês disse que não, e eu assisti, horrorizado, como Merkel levantou as mãos em desespero e jogou a toalha. Agora sabemos o porque - porque a China apostou, corretamente, que Obama levaria a culpa pela falta de ambicao no acordo de Copenhaguem.

A China em seguida, apoiada por vezes pela Índia, começou a remover todos os números que importavam. Um ano pico das emissões globais definido como 2020, meta essencial para conter a temperatura a 2C, foi removido e substituído por linguagem frouxa, sugerindo que o pico das emissões deveriam ocorrer "tao rapido quanto possível". A meta de longo prazo, de corte global de 50% em 2050, também foi extirpada. Ninguém mais, talvez com exceção da Índia e da Arábia Saudita, queria que isso acontecesse. Estou certo de que se os chineses não tivessem estado na sala, teríamos deixado Copenhaguem com um acordo que teria feito ambientalistas espoucar rolhas de champanhe em cada canto do mundo.

Posição forte


Então como é que a China conseguiu aplicar este golpe?


Primeiro, ela estava em uma posição extremamente forte de negociação. A China não precisava de um acordo. Como disse-me um ministro das Relacoes Estrangeiras de um país em desenvolvimento: "Os atenienses não tinham nada a oferecer para os espartanos. Por outro lado, os líderes ocidentais, em particular - mas também os presidentes Lula, do Brasil, Zuma, da África do Sul, Calderón, do México e muitos outros - estavam desesperados por um resultado positivo. Obama precisava de um acordo muito forte, talvez mais do que ninguém. Os USA confirmaram a oferta de US $ 100 bilhões aos países em desenvolvimento para a adaptação, e colocaram por primeira vez cortes serios na mesa (17% abaixo dos níveis de 2005 até 2020), e estavam, obviamente, preparados para aumentar sua oferta.

Acima de tudo, Obama precisava ser capaz de demonstrar ao Senado que ele poderia controlar a China em qualquer quadro de regulação do clima global, de forma que os senadores conservadores não pudessem argumentar que as reduções de carbono dos USA iria resultar em ainda maior vantagem para a indústria chinesa. Com as eleições de meio termo se aproximando, Obama e sua equipe também sabiam que Copenhaguem seria provavelmente a única oportunidade de atender as negociações sobre as alterações climáticas com um mandato forte. Isso reforçou o poder de bardganha a China, assim como a completa falta de pressão política da sociedade civil tanto na China quanto na Índia. Grupos ativistas nunca culpam os países em desenvolvimento por fracassos; esta é uma regra de ferro, que nunca é quebrada. Os Indianos, em particular, tornaram-se mestres no passado em cooptar a língua da eqüidade ( "a igualdade de direitos pela atmosfera") no serviço do suicídio planetario - e nisso os militantes e articulistas de esquerda são feridos com seus próprios petardos.

Com o acordo esquartejado, a sessão dos chefes de estado concluiu com uma batalha final, com o delegado chinês insistindo em retirar o alvo 1.5C algo tão querido pelos pequenos Estados insulares e baixas nações que mais têm a perder com a elevação dos mares. O presidente Nasheed das Maldivas, apoiado por Brown, lutou bravamente para salvar esse número crucial. "Como você pode pedir ao meu país para se extinguir?" exigiu Nasheed. O delegado chinês fingiu grande ofensa - mas o número ficou, entretanto cercado de linguagem que fala tudo, menos lhe da sentido. O ato foi consumado.

O Jogo da China

Tudo isto levanta a questão: qual é o jogo da China? Por que a China, nas palavras de um analista sediado no Reino Unido, que também passou horas em reuniões de chefes de Estado, "não só rejeita metas para si, mas também se recusa a permitir que qualquer outro país assuma metas obrigatórias?" O analista, que participa das conferências de clima ha mais de 15 anos, conclui que a China quer enfraquecer o regime de regulação do clima agora", a fim de evitar o risco de vir a ser chamada a ser mais ambiciosa dentro de alguns anos".

Isso não significa que a China não seja séria sobre o aquecimento global. Ela é forte tanto nas indústrias de energia eólica quanto solar. Mas o crescimento da China, e sua crescente dominação política e econômica mundial, baseia-se em grande medida no carvão barato. A China sabe que está se tornando uma superpotência inconteste, na verdade a sua recem descoberta confiança muscular estava em impressionante exibição em Copenhague. Sua economia baseada no carvão dobra a cada década, e aumenta seu poder de forma proporcional. Sua liderança não irá alterar essa fórmula mágica, a menos que seja absolutamente necessário.

Copenhague foi muito pior do que apenas outro mau negócio, porque ilustra uma profunda mudança na geopolítica global. Esse está se tornando rapidamente o século da China, entretanto sua liderança demonstrou que a governança ambiental multilateral não só não é uma prioridade, mas é vista como um empecilho para a liberdade de ação da nova superpotência. Deixei Copenhague mais desamparado do que me sentia em muito tempo. Depois de toda a esperança e toda a agitacao, a mobilização de milhares de pessoas, uma onda de otimismo espatifou-se contra a rocha do poder na política mundial, caiu para trás, e esvaziou-se.

6 comentários:

taxicomum disse...

Original:

Do the Guardian

original em ingles em
http://www.guardian.co.uk/environment/2009/dec/22/copenhagen-climate-change-mark-lynas#history-byline

Taxi Driver disse...

O que os meus melhores votos acompanhá-lo no ano que abrimos.

FELIZ ANO NOVO

taxicomum disse...

Seu amigo Boris da band é uma vergonha. http://www.youtube.com/watch?v=W1dQzm0Ohu8&feature=player_embedded

taxicomum disse...

O estudo bem poderia ser traduzido e utilizado para os nossos próprios problemas, como por exemplo o peso da bancada ruralista na opinião pública, ou as campanhas orquestradas pela Febraban, ou ainda a campanha contra a proibição de armas de fogo individuais, estribadas no “direito de se defender” e até na “liberdade”. Nos Estados Unidos, temos precedentes interessantes e igualmente desastrosos tanto no caso das armas, como na batalha das grandes empresas de saúde privada aliadas com o “Big Pharma” para tentar travar o direito de acesso a serviços de saúde, sem falar das gigantescas campanhas das empresas de cigarros.

O último livro de Robert Reich, aliás, Supercapitalim, também trata desta apropriação dos processos políticos pelas corporações. O filme O Informante mostra como isto se deu com a indústria do cigarro, enquanto The Corporation explicita o mecanismo de maneira ampla. Marcia Angell fez um excelente estudo dos procedimentos equivalentes na indústria farmacêutica (em português, A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos). A própria desinformação se transformou numa indústria. É a indústria da opinião pública.

No caso da mudança climática, como qualificar a dimensão ética do que constitui uma clara compra de opiniões? Ou os ataques impressionantes das empresas de advocacia das corporações, que processam qualquer pessoa que ouse sugerir que uma opinião poderia envolver não a verdade mas interesses corporativos? O liberalismo tem uma concepção curiosa da liberdade.

taxicomum disse...

mais detalhes:
http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/a-cruzada-para-negar-o-aquecimento-global/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-hoje

Érica Sena disse...

Oi meu amigo leitor assíduo do Pensar ECo....

sempre são muito bons seus comentários, já que sempre acrescentam algo ao meu post.
Obrigada pela força..

Bons ventos e pouca chuva por aí...heheeehe
bj
ÉRICA